No último dia 27/05/22, o STF, por maioria de 8 votos a 3, em votação concluída no plenário virtual, decidiu que são inconstitucionais a Súmula 277 do TST, bem como as decisões judiciais que aplicam o princípio da ultratividade de acordos e convenções coletivas no âmbito trabalhista.
A ADPF 323, proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), tinha por alvo a interpretação conferida pelo TST e por alguns TRT´s ao art. 114, § 2º, da CF, na redação dada pela EC 45, de 30/12/2004, consubstanciada na Súmula 277 do TST, versão dada pela Resolução 185, de 27/10/2012.
De acordo com a sepultada redação sumular, as cláusulas normativas deveriam ser incorporadas aos contratos individuais de trabalho até que novo acordo ou convenção fosse firmado, em claro resgate do princípio da ultratividade das normas coletivas, que já fora objeto de legislação específica (art. 1º, § 1º, da Lei 8.542/1992, posteriormente revogada pela Lei 10.192/2001) e, mais recentemente, objeto de nova vedação conferida ao § 3º do art. 614 da CLT pela chamada “Reforma Trabalhista”.
Na prática, os Ministros do STF decidiram que o que foi definido em acordo ou convenção coletivos deve valer pelo prazo de vigência do instrumento coletivo, limitado ao máximo de dois anos - prazo previsto na CLT para a validade dos instrumentos coletivos de trabalho.
A ADPF começou a ser julgada em junho de 2021. Em agosto, o relator, Ministro Gilmar Mendes, votou por derrubar a súmula do TST fundamentando seu na incompatibilidade do verbete com os princípios da legalidade, da separação dos Poderes e da segurança jurídica, sendo acompanhado por Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Carmen Lúcia, Luiz Fux e André Mendonça.
Já o Ministro Edson Fachin abriu divergência e foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, para quem "o ordenamento jurídico constitucional brasileiro tem o dever de coerência e transparência da missão do Supremo de guardião da CF, que garante ao trabalhador direitos blindados contra o retrocesso."
Da análise do voto condutor, outros importantes fundamentos merecem ser destacados:
a necessidade do respeito à autonomia da vontade das partes no momento do pacto;
a importância do prazo de validade nas negociações trabalhistas;
a segurança jurídica na realização de acordos e a necessidade de assegurar, ao máximo, o direito dos trabalhadores, diante da imprevisibilidade das relações de trabalho no Brasil, o que poderia gerar prejuízos futuros aos trabalhadores, diante da excessiva onerosidade dos contratos trabalhistas, mencionando exemplo de empregador que concedeu benefício vinculado aos bons resultados da empresa, mas, por problemas financeiros posteriores, precisou retirá-lo, causando, ao invés de melhores condições aos trabalhadores, a necessidade da própria demissão de empregados beneficiados com a condição que não mais se fazia possível manter.
Além disso, merecem registro as seguintes passagens do voto prevalecente do Ministro Gilmar Mendes:
“No Brasil, tal argumentação ignora, todavia, o amplo plexo de garantias constitucionais e legais já asseguradas aos trabalhadores, independentemente de acordo ou convenção coletiva. Na inexistência destes, os empregados não ficam desamparados, pois têm diversos direitos essenciais resguardados.
De fato, cessados os efeitos da norma acordada, as relações seguem regidas pelas demais disposições que compõem a legislação trabalhista, algumas até então afastadas por acordo ou convenção coletiva em questão.
Não há, rigorosamente, anomia.
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A interpretação conferida pelo TST aos acordos coletivos, equiparando-os a lei, também é questão bastante discutida pela doutrina. Nesse ponto, é evidente que lei e acordos coletivos se diferenciam em diversos aspectos, como em relação à precariedade e ao cunho compromissório.
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Em relação a aspectos negativos, Sérgio Pinto Martins indica que a incorporação das normas coletivas ao contrato individual de trabalho implica obstar novas negociações coletivas e estimular que o empregador dispense aqueles trabalhadores que tenham cláusulas incorporadas em seus contratos de trabalho, a fim de admitir outros, com benefícios inferiores.
Para ele, trata-se de situação que tende a diminuir a viabilidade da negociação coletiva e a aumentar os dissídios coletivos.”
Também merece destaque a incisiva crítica feita ao TST, assim:
“Ao avocar para si a função legiferante, a Corte trabalhista afastou o debate público e todos os trâmites e as garantias típicas do processo legislativo, passando, por conta própria, a ditar não apenas norma, mas os limites da alteração que criou. Tomou para si o poder de ponderação acerca de eventuais consequências desastrosas e, mais, ao aplicar entendimento que ela mesma estabeleceu, também o poder de arbitrariamente selecionar quem por ele seria atingido.”
A Corte trabalhista, em sessão para definir quais súmulas e orientações suas deveriam ser alteradas ou atualizadas, conseguiu a façanha de não apenas interpretar arbitrariamente norma constitucional, de modo a dela extrair o almejado, como também de ressuscitar princípio que somente deveria voltar a existir por legislação específica.”
A nosso ver, andou bem o STF ao declarar a inconstitucionalidade da Súmula 277 do TST, que pela via incorreta tentou resgatar o princípio da ultratividade das normas coletivas, gerando, a um só tempo, impasse a novas negociações e uma equivocada possibilidade de aumentar os dissídios coletivos, opção essa que, claramente, não foi a do legislador constituinte derivado de 2004 ao exigir o “de comum acordo” para o ajuizamento dos dissídios coletivos.
Em outras palavras, o entendimento do TST pretendia impor que apenas um lado da relação negocial continuasse a ser responsável pelos compromissos antes assumidos, quando as tratativas coletivas têm por pressuposto a necessidade de concessões mútuas.
Luís Alberto Gonçalves Gomes Coelho
Advogado Sócio de Gomes Coelho & Bordin Sociedade de Advogados. Consultor Jurídico do SINDESP-PR e Fenavist. Mestre e LLM em Direito Empresarial. Especialista em Direito do Trabalho. Professor da ESA/OABPR e da pós da UniCuritiba e das Faculdades da Indústria. Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OABPR.
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